Adiamento de acordo Mercosul-UE acende alerta em lideranças do agro brasileiro

Adiamento de acordo Mercosul-UE acende alerta em lideranças do agro brasileiro

O adiamento da assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia ligou o alerta entre lideranças do setor agropecuário brasileiro. Há dúvidas sobre o que efetivamente os europeus querem, em meio a intensificação da pressão e do lobby de agricultores franceses e italianos, principalmente, e como os governos dos países sul-americanos vão reagir. Leia também Lula: Acordo Mercosul-UE depende de vontade política e coragem Fávaro critica medidas de salvaguarda da UE contra produtos agrícolas do Mercosul Produtores rurais da União Europeia protestam contra acordo com Mercosul Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirma que não dá para classificar o adiamento como bom ou ruim, por não existir clareza do que virá a seguir. Ela ressalta que o texto, alinhavado em 2019 e incrementado com novos capítulos antes da assinatura prévia em 2024, é equilibrado, mas as medidas unilaterais aprovadas pelos europeus colocam em xeque os resultados pretendidos pelo tratado. "As duas partes, quando fecharam o texto em 2019, assumiram que acordo estava equilibrado. O receio é ver uma realidade desequilibrada por causa de medidas unilaterais. Temos que aguardar tanto lado europeu, para saber o que eles querem e o que virá a mais, quanto o lado brasileiro, de como vai responder a isso", disse Mori ao Valor. Recentemente, a diplomacia brasileira citou pela primeira vez a possibilidade de "contramedidas", mas ainda não está claro o que seria e qual a aplicabilidade. Lula e presidentes de países do Mercosul nas Cataratas do Iguaçu. Expectativa de assinar acordo com a União Europeia neste fim de semana foi frustrada pela resistência de governos europeus ao tratado Foto: Ricardo Stuckert / PR Para a diretora, o pior cenário possível seria a UE solicitar a reabertura do acordo para tentar negociar a inclusão de novas regras para proteger ainda mais os produtores rurais europeus. Na última semana, o Parlamento e o Conselho europeus aprovaram salvaguardas com gatilhos para iniciar processos que poderão resultar na suspensão das preferências tarifárias de produtos sensíveis, como carne bovina e açúcar. Também foram estabelecidos critérios de reciprocidade: os agricultores sul-americanos terão que seguir os mesmos padrões de produção da Europa para não invalidar o acordo nem travar o comércio. Além das salvaguardas, Sueme ressalta o peso da Lei Antidesmatamento do bloco (EUDR, na sigla em inglês). Em sua avaliação, a medida prejudica o cenário do comércio entre os blocos, pois diverge do objetivo inicial do acordo e dos critérios previstos nos capítulos de defesa comercial e salvaguardas, que exigem obediência às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). "O receio é o mesmo em relação a EUDR. As partes negociam o acordo, liberam tarifas de 90% do fluxo e, unilateralmente, a Europa aprova EUDR e salvaguardas e prejudica acesso de um lado só. Tem que garantir que acordo mantenha seu equilíbrio", reforça a diretora. "O acordo vira lei dentro dos países assim que é internalizado. O que vai virar lei é texto do ano passado? Pois vira obrigação. Tem que tomar cuidado. A salvaguarda é péssima, é ruim, tem potencial de nos prejudicar, mas não está dentro do texto do acordo", explica. Para ela, há um clima de "animosidade" ruim para a relação neste momento, que deixa incertezas no ar sobre o futuro do acordo. "É uma sinalização de animosidade dos europeus muito ruim. O texto do acordo é equilibrado e a CNA apoia-o desde que ele se transforme em melhoria de condições de acesso ao mercado", afirma. "Conseguimos incluir uma cláusula de reequilíbrio de concessões que era importante e está no texto. Se o adiamento em si é ruim, reabrir o acordo é péssimo", avalia. Saiba-mais taboola A diretora da CNA afirma ainda que o cenário está nebuloso. A principal questão agora é saber o que a Itália quer. Por conta da população mais numerosa, o país é essencial para aprovar ou barrar o acordo, segundo as regras de maioria qualificada do bloco europeu. França, Polônia e Hungria também trabalham contra a assinatura. "A Itália tem mais poder de barganha e pediu mais garantia, disse que precisava de mais tempo para convencer os agricultores", diz Sueme. Em conversas recentes com lideranças do setor produtivo italiano, foi sinalizada a demanda por um fundo de compensação, o que seria uma medida interna de política doméstica, sem necessidade de previsão no acordo.