Com projeto de educação, extrativistas superam linha da pobreza no Maranhão
 
                                
No interior do Maranhão, o extrativismo está mudando de aparência sem perder a resistência pela manutenção da floresta em pé. Em regiões onde o agronegócio mecanizado e a indústria ainda não alcançam, a ampliação do acesso a cursos e oficinas ajudam famílias que vivem da extração de frutos nativos, como babaçu, açaí e buriti, a sair da linha da pobreza, atestam especialistas e produtores locais. Além de entrarem na rota internacional. Leia também Silvicultura e extrativismo vegetal: quais são as diferenças? Sem castanhas, fábrica segue parada em terra indígena em RO Vai um 'café de açaí'? Novo uso do caroço do fruto avança no Brasil e no exterior No Estado, que apresenta uma das menores rendas per capita do país em 2024 (R$ 1.077, versus a média nacional de R$ 2.069), o extrativismo como vetor da bioeconomia tem incluído jovens e mulheres na cadeia produtiva, assegurando também independência financeira. É o caso da Associação Barroquinas, de quebradeiras de coco-babaçu, em Coquelândia, vila do município de Imperatriz, o segundo maior do Maranhão. A entidade é liderada por jovens que são filhas e netas de quebradeiras. Pela primeira vez, a produção da vila atravessou oceanos rumo à China. A carga chegou a ficar retida por dias na alfândega brasileira, mas, entre burocracias e aprendizados, despertou nas produtoras a urgência em dominar os trâmites da exportação. “Quando a mercadoria ficou presa na aduana, foi um corre só. Mas conseguimos enviar nosso óleo, sabonete e artesanato para os chineses. Isso foi uma grande conquista da juventude”, comemora a presidente da Cooperativa dos Extrativistas e Agricultores Familiares da Estrada do Arroz (Coopeafe), Bábara Souza. Ela conta que a exportação despertou um olhar que as mães e avós não tinham: o babaçu tem valor agregado quando vendido industrializado. Além do embarque internacional, as jovens entraram no varejo digital da asiática Shopee. O salto é recente, diz Souza. Aos 29 anos, ela trabalha no extrativismo a contragosto de sua mãe, Zuleide, que começou a quebrar coco aos 13 anos. Diferentemente da mãe, a dirigente local ajudou a ampliar a atuação da cooperativa com a ajuda de outras mulheres da mesma faixa etária. Todas têm formação acadêmica. Mauriana Sobrinho é bióloga com mestrado em agroecologia. Para ela, uma das principais conquistas foi agregar valor aos produtos de extrativismo pela bioeconomia. As produtoras também estão investindo no comércio local. Por meio de uma parceria com a multinacional Suzano, detalha Sobrinho, a associação teve uma consultoria externa para melhorar a comercialização do óleo de babaçu, antes vendido em garrafas de plástico reutilizadas. “A quebra de coco, por ser um trabalho extremamente árduo, era a última das opções dentro das comunidades. Os produtos eram vendidos a centavos, como o quilo de amêndoa, o carvão dos restos de coco, ou o próprio óleo. A cooperativa agregou nesse sentido”, conta Sobrinho. Com a consultoria, a rede de extrativistas passou a usar embalagens de vidro, selo de origem, rótulo nutricional, preço e validade. O litro passou de R$ 5 para R$ 20. Outra parceira do projeto é a administradora Tereza Alice, também filha de agricultores de reforma agrária do Tocantins. Por meio da Faculdade Única de São Luís (Unicas), ela dá consultorias à associação sobre gestão, produção e comercialização. “São cooperativas em fases inicial, fazendo o processo de amadurecimento para agregar valor de produtos, novos mercados, estimulando a liderança de jovens e mulheres”, salienta. Um dos passos foi inaugurar um empório das Barroquinas, que, além de ser área de convivência, virou armazém e local de venda dos produtos feitos por 27 associações de três territórios de babaçuais de Imperatriz. São 1,2 mil pessoas envolvidas e que, desde 2024, têm marca própria patenteada, a Pindowa. A palavra se refere à fase da palmeira anterior aos frutos. Segundo Bárbara Souza, a meta é cadastrar mais pessoas para a base da cooperativa a fim de dar escala à produção e comercializar os produtos em redes de supermercados. Além do babaçu, buruti e açaí, a associação reúne a produção agrícola dos cooperados e fornece ao restaurante da fábrica de celulose da Suzano, em Imperatriz. A parceria ajuda as famílias que ganhavam menos de R$ 615 e estavam abaixo da linha da pobreza a reverterem a situação econômica. A jovem acrescenta que, apesar do convencimento dos jovens a permanecerem no campo ser difícil, a oferta de cursos técnicos e oficinas está ajudando. “Além de continuar a tradição do babaçu, estamos incentivando que os jovens façam faculdade para estimular a melhora da cadeia”, enfatiza. A atividade das pequenas cooperativas mudou o padrão de renda das famílias e impulsionou a busca por formação técnica e acadêmica. Em uma década, as oito comunidades produtoras de babaçu de Imperatriz — que há dez anos nem sequer tinham energia elétrica — passaram a reunir quase 3 mil pessoas envolvidas diretamente no extrativismo. Agora, com a bioeconomia em alta e a COP batendo à porta, a nova geração está pronta para fazer negócio — e disputar espaço no comércio global. No município de Ribamar Fiquene, perto de Imperatriz, a Escola Agroambiental Frei Tadeu, pertencente a associação homônima, auxilia famílias em situação de vulnerabilidade. A escola oferece cursos de padaria, queijaria, artesanato e técnicas de lavoura. No local, institutos e universidades maranhenses mantêm campos experimentais, como os testes de agrofloresta. A comunidade ainda está em fase inicial do associativismo, mas produtores familiares já relatam a melhora na renda. Os cursos são financiados por meio de uma parceria com a Suzano e a empresa italiana Sofidel, que juntas investiram R$ 6 milhões para um projeto maior de desenvolvimento da biodiversidade local. Desse valor, R$ 380 mil foram para a associação para estímulo de formação da comunidade que ficam a 40 quilômetros do centro urbano. “Os agricultores começaram a entender a capacidade de formação, a se sentirem visíveis e importantes para o arranjo social. Às vezes, eu mesmo me questiono se fui eu que produzi o queijo, o pão. É uma nova forma de trabalhar”, conta a agricultora Raquel Souza, de 39 anos. Joucelita Fagundes: “há um fortalecimento da mulher na renda familiar" Isadora Camargo/Valor No local, a Suzano apoia a capacitação comunitária por meio do projeto Sumaúna Sustentável. Já há rótulos de queijo, doce de leite, goiabada e geleias da marca da associação. Atualmente, 149 famílias estão cadastradas. Dessas, 89 são lideradas por mulheres que diversificam suas rendas e têm independência financeira em razão dos cursos de formação, afirma a coordenadora do projeto Joucelita Fagundes. “Há um fortalecimento da mulher na renda familiar. Com isso, estamos vendo a comunidade passar a ter credibilidade social”, diz. Os dois projetos sociais têm parcerias com Sebrae, Senar, universidades e fundos federais, como o Fundo Clima, além do setor privado. Coordenador de Desenvolvimento Social na Suzano, Diego Carrara afirma que o Maranhão é um “celeiro de oportunidades para o engajamento social de empresas”. Só a Suzano gerencia 500 mil hectares distribuídos entre 370 fazendas próprias e arrendadas, atuando também em um raio de três quilômetros para além da área das propriedades a fim de assegurar que as comunidades tradicionais e indígenas tenham acesso à floresta nativa. *A jornalista viajou a convite da Suzano
 


 
             
             
             
             
             
            