Crise: não enfrentá-la só aumenta a complexidade

Crise: não enfrentá-la só aumenta a complexidade

Os desafios para o agronegócio para a safra 2025/2026 não são nada desprezíveis. O crédito está caro e escasso. O preço dos fertilizantes subiu e pode aumentar ainda mais devido a fatores geopolíticos. Não bastasse isso, o recente tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil deve desorganizar várias cadeias de valor, em especial frutas e sucos, pescados, carne bovina, celulose e café. Com tudo isso considerado, produtores rurais e empresas do setor deveriam se antecipar e tomar medidas preventivas para aumentar ou, no mínimo, manter sua liquidez elevada. As saídas para isso são manter um caixa robusto e renegociar antecipadamente as dívidas. Saiba-mais taboola Infelizmente não é isso que ocorre na maioria dos casos. É fácil colocar a culpa na “crise”, mas pouco se faz para se prevenir dos efeitos dela. A situação da empresa (inclua-se aqui produtores rurais) se deteriora e tanto o comportamento quanto as decisões do executivo acabam aprofundando o problema. Durante minha carreira, acompanhei a evolução de crédito de inúmeras empresas do agronegócio. Identifiquei um aspecto em comum em relação à evolução do comportamento e das decisões tomadas pelos administradores durante o processo de deterioração delas. Globo Rural A evolução de uma crise de liquidez passa por três fases, de acordo com o comportamento do administrador: autonegação, negação e desespero. Na primeira, como o próprio nome sugere, a administração da companhia não reconhece que há um problema. Em sua percepção, trata-se de uma situação passageira, resultado de condições de mercado desfavoráveis e que, com alguns poucos ajustes, tudo vai se resolver. Como sintoma, o gerenciamento do caixa se torna uma prioridade. É comum o corte de benefícios e congelamento de salários; preços são baixados para reduzir estoques antigos. Nada de errado com essas ações, mas muitas vezes o investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e o capex (Capital Expenditure) também são impactados. Dependendo do setor de atuação da companhia, a redução desses investimentos pode gerar uma dor de cabeça ainda maior no futuro, como, por exemplo, a diminuição de tratos culturais em lavouras perenes e semi-perenes. Na segunda fase, a da negação, o gerenciamento do caixa se torna prioridade absoluta. O capex é reduzido a zero; ativos não essenciais e até alguns essenciais são vendidos; novos executivos financeiros são contratados. É quando alguns covenants são quebrados; operações de crédito são alongadas bilateralmente, com cada credor exigindo pagamento parcial para alongar o restante do passivo, sempre com exigência de mais garantia e covenants mais apertados. Fontes alternativas de financiamento são procuradas. O custo da dívida aumenta consideravelmente. A esta altura os credores já identificam que há um problema sério e embora o devedor reconheça para si próprio, ele nega que o tenha para terceiros. Leia mais opiniões de especialistas e lideranças do agro É importante observar que nessa fase os credores não estão mais competindo pelo crédito, mas disputam entre si para ver quem vai sair primeiro ou mais bem posicionado em relação ao risco. O credor “A” quer ficar em um prazo mais curto e com mais garantia que o credor “B” e vice-versa, cada um querendo sair da festa antes que ela acabe de vez. A terceira fase começa quando os impostos deixam de ser pagos, os covenants são novamente quebrados e as parcelas de empréstimos estão em atraso. É a etapa em que a moral da equipe já se deteriorou e os colaboradores essenciais se demitem. Não há entrada de dinheiro novo e os credores continuam competindo para ver quem vai sair antes. Nesta etapa, não existe mais a possibilidade de o administrador negar a situação. No entanto, muitas vezes, também não há mais a oportunidade de reversão via reestruturação da dívida. O negócio já ultrapassou o “ponto de não retorno” e, geralmente, a única saída viável é a entrada de equity para equilibrar a estrutura de capital da empresa. Até a segunda fase ainda é possível uma saída negociada com os principais credores financeiros e não financeiros, caso a operação seja boa, geradora de caixa. Ainda assim é essencial uma abordagem bem estruturada, com total transparência e comprometimento dos administradores com o que for combinado. Também é importante manter os principais credores em condições pari-passu entre eles, para que todos saibam que não vão permanecer sozinhos no trem quando todos os demais já pularam. Outro ponto crucial é a apresentação da solução de forma técnica, mostrando aos credores que, em condições normais de mercado, a empresa ou o produtor rural tem condições de sair bem no prazo proposto. Recomenda-se que o interlocutor seja um terceiro, reconhecido pelo mercado, com conhecimento técnico e experiência, sem envolvimento passional com o negócio. Muitas das crises de liquidez enfrentadas pelas empresas ou produtores rurais poderiam ser menos traumáticas. O primeiro passo é o administrador reconhecer o problema o quanto antes. Como diz o psicólogo Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia: "os líderes eficazes abordam rapidamente os problemas e as incertezas. O atraso só aumenta a complexidade." *Manoel Pereira de Queiroz é sócio sênior da Mapa Capital, presidente do Conselho Curador da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ), membro do Conselho da Fundação Agrisus e do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP (COSAG) As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Globo Rural