Ministério da Agricultura quer adiar início de restrição no crédito rural por desmatamento

Ministério da Agricultura quer adiar início de restrição no crédito rural por desmatamento

O Conselho Monetário Nacional (CMN) deverá aprovar nesta quinta-feira (18/12) o adiamento, de janeiro para abril de 2026, da aplicação de novas regras ambientais a serem seguidas pelas instituições financeiras para concessão de crédito rural com juros controlados. Há pressão de entidades do setor produtivo, da bancada ruralista e do Ministério da Agricultura por uma extensão mais longa do prazo para entrada em vigor da medida, de dois anos. Leia também Sem desmatamento e com agro sustentável, Brasil pode zerar emissões até 2040, aponta estudo Desmatamento legal vai continuar existindo dentro do Plano Clima, diz secretário ministerial Carne do Brasil verificada como livre de desmate chega à China Pelo texto vigente, as instituições financeiras deverão verificar, a partir de 2 de janeiro, no sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se os imóveis rurais que são objeto de financiamentos com recursos controlados, com ou sem subvenção, tiveram algum desmatamento a partir de 2019. Em caso positivo, antes de liberar o recurso, a instituição financeira deverá exigir a comprovação do produtor de que a supressão foi legal e autorizada. O Ministério da Agricultura pediu o cancelamento ou a prorrogação da data de entrada em vigor para 2 de janeiro de 2028 por conta de “aspectos críticos” da norma. Segundo a Pasta, a norma, prevista na resolução do CMN 5.193/2024, coloca barreiras de acesso ao crédito rural e obstáculos burocráticos. “A exigência de documentação adicional cria uma camada burocrática que pode retardar ou inviabilizar operações de financiamento”, diz ofício encaminhado pelo ministro da Carlos Fávaro ao Ministério da Fazenda no início de dezembro ao qual o Valor teve acesso. A Pasta afirmou ainda que a dependência exclusiva de dados do sistema Prodes pode gerar problemas de precisão e interpretação e penalizar indevidamente produtores que agiram em conformidade com a lei. O cenário elevaria custos operacionais para agentes financeiros e agricultores, “sem necessariamente aumentar a efetividade do controle ambiental”, alega o ministério. A exposição de motivos para criação da norma, aprovada no fim de 2024, afirma que "a verificação visa a coibir o desmatamento ilegal e deverá ser realizada por meio de consulta à base de dados disponibilizada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a partir de informações do sistema Prodes". Setor produtivo A posição do Ministério da Agricultura é referendada pelo setor produtivo. A Federação da Agricultura e Pecuária do Paraná (Faep) disse que os agentes financeiros e seguradoras têm antecipado a exigência, mas que a interpretação da norma tem sido “equivocada”. A entidade defende ajustes para evitar “a imposição de restrições indevidas ao crédito antes da devida apuração técnica e jurídica pelo órgão ambiental competente”. A entidade aponta inconsistências relacionadas ao sistema Prodes e diz que ele não tem atribuição para analisar a legalidade da supressão ou degradação de área, mas apenas de quantificar e espacializar a ocorrência desses eventos. “A supressão observada pode não ser de vegetação nativa, mas de uma área com espécies exóticas plantadas”, afirma em ofício encaminhado ao governo recentemente. A Faep também critica a baixa precisão dos limites de polígonos do sistema na comparação com a outras medições feitas por órgãos ambientais para apontar a existência de supressão. “A competência para avaliar e apontar irregularidades na supressão de vegetação é do órgão ambiental estadual ou federal, que tem como atribuição legal analisar tecnicamente o que sistemas, como o Prodes, indicam”, ressalta no texto. Para a entidade paranaense, a resolução atual traz exigências adicionais de documentos dos produtores para comprovar que não houve desmatamento ilegal nas suas áreas que serão financiadas. Para a entidade, é preciso adequar essas regras ao que já existe na lei. Segundo os paranaenses, a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado em 2014, na situação “ativo” ou “aguardando análise, sem pendências por parte do produtor”, é suficiente para demonstração da regularidade ambiental do imóvel. Segundo a federação, as certidões negativas dos órgãos ambientais, estaduais e federal, emitidas por meio de consultas públicas podem fazer esse tipo de comprovação. A regra atual diz que se for constatada supressão da vegetação nativa irregular, o produtor deverá apresentar a Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) ou Autorização para Uso Alternativo do Solo (UAS) relacionada à área desmatada após 31 de julho de 2019 ou um documento que comprove que tenha executado ou esteja em execução o Projeto de Recuperação de Área Degradada ou Área Alterada (PRAD) ou Termo de Compromisso do Programa de Regularização Ambiental (PRA), aprovado pelo órgão ambiental competente. Também é possível apresentar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público para regularização ambiental, se for o caso, ou um laudo técnico de sensoriamento remoto, sob responsabilidade da instituição financeira, que comprove a ausência de desmatamento no imóvel rural após 31 de julho de 2019. Na visão do Ministério da Agricultura, a norma ainda cria dificuldades significativas aos produtores para reunirem documentações antigas para comprovar a legalidade de conversões realizadas há anos. O impacto pode ser maior em regiões de novas fronteiras agrícolas, onde há aberturas legais de áreas em curso, apontou a Pasta. Congresso No Congresso Nacional, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR) apresentou uma indicação ao governo em que pede a prorrogação do prazo por dois anos. Segundo ele, a regra transfere indevidamente às instituições financeiras a interpretação de dados ambientais, o que gera insegurança jurídica e cria procedimentos não previstos na legislação ambiental. “Esse cenário pode gerar sérias distorções interpretativas, excessivamente duras, e transferindo indevidamente ao produtor rural o ônus de comprovar a condição regular de sua propriedade com notório aumento de custo decorrente da necessidade de contratação de laudos ambientais”, diz o texto. A Faep afirma ainda que já há impedimentos ambientais de acesso ao crédito rural para casos de desmatamento irregular em outras normas do CMN. “O objetivo de monitorar a supressão de vegetação nativa está contemplado nas diretrizes já estabelecidas”, diz o ofício. A entidade destacou que, caso a regra seja mantida, é preciso dar “mais clareza” ao texto e indicar que o responsável pela análise da legalidade do desmatamento é o órgão ambiental, estadual ou federal, e que a base de consulta das áreas ainda será disponibilizada em site pelo Ministério do Meio Ambiente. “Salientamos que, caso seja mantida a exigência, o sistema do MMA precisa estar plenamente funcional para todos os biomas brasileiros, antes do prazo determinado para a entrada em vigor”, acrescenta o ofício. Atualmente, o sistema não está em operação.