Governo deve revisar cálculo de emissões de gases da agropecuária antes de entregar Plano Clima

Após pressão de representantes do setor agropecuário, o governo federal deverá revisar a alocação de emissões de gases de efeito estufa atribuídas aos produtores rurais no Plano Clima. A divulgação do documento está prevista para ocorrer na COP30, em Belém. Leia também: Ministério exonera secretário ligado a pautas de sustentabilidade a 21 dias da COP30 Povos tradicionais e agricultores familiares fornecerão alimentos da COP30 Com isso, a “responsabilização” do agronegócio pelas mudanças climáticas na proposta oficial do governo federal ficaria menor. Ainda, assim os números ficariam acima do que lideranças do segmento defendem. O Plano Clima reúne dados sobre o impacto de cada segmento da economia nas mudanças climáticas e orienta a formulação de políticas públicas necessárias para o país cumprir suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa. De acordo com fontes do setor produtivo a par do assunto, a alocação, que é hoje de 1,4 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, passará a ser de 900 milhões de toneladas. O número está acima das 643 milhões de toneladas atribuídas diretamente a emissões do setor. No cômputo inicial, estão alocadas emissões de desmatamento ilegal e não de aspectos relacionados à produção em si, o que gerou as críticas dos produtores. O setor reclama ainda que o sistema não considera as remoções de carbono. Se isso fosse levado em conta, argumentam lideranças do agro, o balanço real seria de 440 milhões de toneladas de emissões. A área técnica do Ministério do Meio Ambiente confirma que a questão está em discussão, mas a publicação da proposta final ainda deve levar mais alguns dias, podendo até ser entregue um pouco antes da COP30. Fontes da Pasta dizem que não há “revisão para baixo” das alocações, mas, sim, uma definição das atividades que entrarão ou não na conta do setor, como desmatamento legal e ilegal e emissões dos assentamentos da reforma agrária em terras públicas. Os pedidos do setor foram para que saíssem da conta do agronegócio as emissões de uso da terra, mudança no uso da terra e florestas. O texto original exige que a agropecuária reduza em 36% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e em 54% até 2035. Representantes do setor reclamam, no entanto, de carga desproporcional de obrigações e responsabilidades sobre os produtores para cumprimento das metas nacionais. A proposta original vincula ao agronegócio a emissão de 813 milhões de toneladas de CO2 de desmatamentos, enquanto as emissões da produção agropecuária propriamente ditas somam 643 milhões de toneladas, dizem lideranças do setor. Já o Plano Setorial de Conservação da Natureza, que concentra as responsabilidades do poder público, considera 356 milhões de toneladas de CO2. Esse plano também deverá vai mudar de nome e abarcar outras emissões, disse uma fonte. O setor reclama que 55% da conta atribuída ao campo não são emissões da produção, mas sim de desmatamento. Lideranças também reclamam da apresentação do Plano Clima durante a COP30. Há pressão para que a proposta não seja apresentada no evento de Belém, o que daria mais prazo para discussão técnica e revisão dos números. A avaliação em geral é que, até agora, o agronegócio ficou apenas com o ônus na construção da política ambiental e climática e não com bônus. A conta do setor no Plano Clima inclui desmates em assentamentos da reforma agrária e em comunidades tradicionais, glebas públicas não destinadas e unidades de conservação. Produtores reclamam que o texto não reconhece a captura de carbono em propriedades privadas por meio de ativos ambientais das fazendas, como as áreas de preservação permanente e as reservas legais. Desmatamento legal e ilegal Um dos pontos críticos é a não diferenciação entre desmatamento legal e ilegal na proposta original do Plano Clima, disse um especialista que estuda o assunto. Segundo ele, a vinculação das emissões de todas as supressões à agropecuária fragiliza a imagem do país em negociações, tanto na COP30 quanto na próxima conferência, em 2026, provavelmente na Austrália. A avaliação é que, ao não fazer essa diferenciação, o governo prejudica o setor agropecuário e abre mão do principal pilar normativo, que é um diferencial do Brasil - o Código Florestal. “O governo precisa ter mais iniciativa para usar o Código Florestal como incentivo para separação do desmatamento legal do ilegal”, avaliou. Outra fonte com conhecimento técnico disse que sem essa separação o Brasil é prejudicado em negociações comerciais, o que teria impacto, por exemplo, sobre a seção 301 da lei comercial dos Estados Unidos, usada para basear o tarifaço. “Estamos nos declarando culpados como responsáveis pelo desmatamento ilegal. Isso é uma insanidade em termos comerciais”, disse a fonte, sob a condição de anonimato. Consultado, o Ministério do Meio Ambiente ainda não respondeu.

