Com tarifaço, cooperativa "está pagando para exportar tilápia" aos Estados Unidos

Com tarifaço, cooperativa "está pagando para exportar tilápia" aos Estados Unidos

Em meio aos efeitos do tarifaço de Donald Trump, a C.Vale, com sede no Paraná, “está pagando para exportar tilápia” para os Estados Unidos, afirma o gerente comercial de aves e peixes da cooperativa, Fernando Aguiar. Leia também Apesar do tarifaço, tilápia brasileira pode ganhar mercado nos EUA Exportações de café caem 18%, e setor cobra ação contra tarifaço dos EUA Exportações de açúcar aos EUA caíram mais de 80% após tarifaço Em setembro, a C.Vale embarcou 378 toneladas, uma redução de 44% em relação às 670,4 toneladas do mesmo mês de 2024. A receita caiu 49%: de US$ 3,31 milhões para US$ 1,69 milhão. “A cooperativa optou por manter a parceria com o importador americano acreditando em uma solução negociada para as tarifas”, diz Aguiar. Desde janeiro, a C.Vale exportou 4.355 toneladas para os americanos, entre filés congelados e frescos. Em 2024, os embarques somaram 6,9 mil toneladas ante as 4 mil do ano anterior. Apesar do tarifaço, a produção de 230 mil filés por dia nos dois frigoríficos, em Palotina e em Nova Prata do Sul, não foi reduzida. O volume que não foi absorvido pelo mercado externo ficou para o mercado interno. Além do Paraná, a tilápia da cooperativa é comercializada em 17 Estados. No ano passado, a C.Vale se tornou a primeira cooperativa do Brasil a obter certificação ASC (Aquaculture Stewardship Council) para a produção de tilápia em tanques escavados, o que elevou suas credenciais para exportação. Estão na mira mercados do Canadá, Colômbia e Emirados Árabes Unidos. Redução De forma geral, indústrias de tilápias relatam uma queda de 20% a 80% nas exportações do peixe para os Estados Unidos em setembro, segundo mês de vigência do tarifaço. Mesmo com a taxa de 50%, os Estados Unidos se mantêm como principal e quase único destino das exportações da tilápia brasileira, com mais de 90%. Dados de setembro do Sistema Agrostat, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), confirmam que a queda foi brutal. Houve uma redução em volume de 56,87%, na comparação com o mesmo mês de 2024. Foram embarcadas 538,5 toneladas para o mercado premium americano ante as 1.248,6 toneladas de setembro de 2024. Na receita, a diminuição foi um pouco menor, 46,6%, fechando com US$ 3,075 milhões. Saiba-mais taboola No trimestre de julho a setembro, a queda em volume foi de 29,17% e de 27,66% em receita. Por outro lado, considerando os embarques totais do ano, houve um aumento de 23,64%, totalizando 8.845,9 toneladas. Isso porque as exportações para os EUA do principal item da piscicultura nacional cresceram no primeiro semestre e, diante da ameaça do tarifaço, houve uma aceleração de embarques em junho e julho. Em 2024, o Brasil exportou 10,8 mil toneladas e no ano anterior, 5,06 mil toneladas. Nos últimos anos, as indústrias aumentaram seus embarques para os EUA de filés frescos, que seguem por via aérea, e também iniciaram exportações de filés congelados, embarcados em navios, favorecidas pela maior qualidade do produto brasileiro na comparação com outros países. Indústrias Juliano Kubitza, diretor da Fider, uma das maiores exportadoras de filé de tilápia para os americanos, disse que, após o tarifaço, os embarques da empresa caíram 80%. Houve um pequeno crescimento de exportações para outros países, mas na média, a empresa que tem fazenda e frigorífico em Rifaina, no interior paulista, está exportando metade do volume de antes. No ano passado, exportou cerca de 50% da produção de 9.600 toneladas. Agora, o excedente tem sido canalizado para o mercado interno. Juliano Kubitza, diretor da Fider, uma das maiores exportadoras de filé de tilápia para os americanos Ricardo Benichio/Valor “O Brasil exportava apenas 4% de sua produção. É uma tonelagem importante, mas não é impossível de ser absorvida em mercados locais com maior estímulo ao consumo. O triste é ficarmos de fora de um mercado tão grande e importante quanto o americano.” Segundo Kubitza, alguns clientes da Fider nos EUA passaram a comprar tilápia da Colômbia, pagando mais caro do que pagavam pelo peixe brasileiro antes do tarifaço. “Muito triste ver que um mercado que construímos com tanto esforço caiu no colo dos colombianos. E eles nem têm todo o peixe para suprir a demanda, o que gerou preços mais altos.” Ramon Amaral, CEO da Brazilian Fish, de Santa Fé do Sul (SP), disse que a empresa continua exportando tilápia para os americanos, mas o volume já caiu 20%. A empresa exportava uma média de 70 toneladas de filé de tilápia fresco por mês, via aérea, para Miami, e eventualmente enviava também contêineres de filé congelado. “Zeramos a margem e até trabalhamos em alguns embarques com margem negativa para manter a janela aberta, o cliente ativo. Como a gente é brasileiro, não desiste nunca, mas estamos rezando para que esse tarifaço caia logo. Enquanto isso, estamos prospectando mercados da China, Canadá e América do Sul, tentando encontrar uma saída.” Quanto o tarifaço foi anunciado, a Brazilian Fish tinha acabado de investir R$ 100 milhões para aumentar a capacidade de seus dois frigoríficos em Santa Fé de 60 toneladas por dia para 100 toneladas, visando elevar a exportação de filés para os Estados Unidos, que representavam de 18% a 20% do faturamento. Frigorífico de peixes da Brazilian Fish em Santa Fé do Sul (SP) Divulgação Para amenizar o prejuízo, Ramon reduziu a produção e aproveitou o aumento da sua capacidade de estocagem de produtos prontos, com a intenção de manter os filés congelados por um ou dois anos enquanto a situação com os EUA não se define ou até conseguir abrir novos mercados. A Fider, por sua vez, já tinha autorização da União para investir em uma nova fazenda na represa de Pedregulho visando dobrar a produção de tilápia, focando nas exportações, que representavam 50% do faturamento. O plano foi paralisado, por enquanto. Além de filés frescos para os EUA via aérea, a empresa embarca farinha, pele e escama para países asiáticos. Alternativas O presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), Francisco Medeiros, diz que as exportadoras brasileiras de tilápia seguem buscando alternativas para manter os contratos com os clientes americanos, mesmo levando prejuízo, como relatou a Brazilian Fish e a CVale. Segundo ele, o Brasil tem poucas oportunidades no mercado mundial de filé de tilápia, que é dominado pela China e pelo Vietnã, países que adotam procedimentos na indústria que são vetados no Brasil e, com isso, conseguem um preço mais competitivo para o seu peixe. “O que nos resta é o mercado premium dos Estados Unidos e do Canadá, onde os consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto de qualidade”. Medeiros acrescenta que as empresas brasileiras seguem trabalhando junto aos parceiros nos Estados Unidos em busca de formas de contornar os efeitos do tarifaço. “A posição do setor desde o primeiro momento foi para que o governo brasileiro fosse aos Estados Unidos negociar, o que acabou não acontecendo, mas acreditamos que esta negociação do governo americano com o Brasil deve em algum momento evoluir para a redução desta taxa e tornar nossa operação competitiva novamente”.